- AO VIVO
Foto: Reprodução Internet
Sem consulta pública ou licitação, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) firmou um protocolo de intenções com a multinacional Ambipar, empresa que atua no setor ESG e tem despertado curiosidade no mundo dos negócios pelas retumbantes variações na bolsa de valores, tendo quadruplicado o seu valor em apenas um mês.
A assinatura do protocolo de intenções, a cargo do secretário-executivo da pasta (Eloy Terena), foi anunciada em entrevistas de executivos da Ambipar a veículos especializados na cobertura de negócios. Em tom de comemoração, os integrantes da multinacional apontaram supostas vantagens da participação da empresa privada em projetos ambientais e de gestão em terras indígenas.
A parceria abrange 1,4 milhão de quilômetros quadrados, o que representa aproximadamente 14% do território brasileiro, e permitirá, segundo as informações divulgadas nas entrevistas, ações voltadas ao desenvolvimento sustentável e à prevenção a emergências climáticas em terras indígenas. O conteúdo exato do documento, no entanto, ainda é desconhecido.
Diante de questionamentos sobre a abrangência do acordo, que foi assinado durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a página do ministério dos Povos Indígenas publicou uma nota em sua página na internet. No documento, o governo classifica como “fake news” notícias que foram divulgadas sobre a parceria.
No texto divulgado pelo MPI, a pasta destaca que o documento “estabelece um compromisso preliminar sem transferência de qualquer verba ou de responsabilidade do Poder Público, instrumento de parceria comumente utilizado na gestão pública”.
A coluna solicitou acesso aos documentos assinados pelo MPI e pela Ambipar, mas, até o fechamento desta nota, não recebeu retorno.
A Ambipar atua no setor ESG, que, em português, são as iniciais para as palavras “Ambiental, Social e Governança”. São conceitos ligados, por exemplo, a ações voltadas para a transição energética para fontes renováveis.
A forte variação dos preços dos papéis da Ambipar já chamou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que cobrou, em mais de uma ocasião, explicações da multinacional brasileira sobre as oscilações bruscas dos valores dos papéis da multinacional.
O Governo Federal, por meio da Secretaria de Comunicação Social, respondeu por meio de nota. Leia abaixo, na íntegra:
“Não é verdade que o Governo Federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), tenha transferido a gestão de terras indígenas para a iniciativa privada. A Constituição Federal determina que as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis.
O acordo firmado pelo MPI com a empresa Ambipar durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, trata de um compromisso preliminar estabelecido por meio de um Protocolo de Intenções. Esse instrumento, amplamente utilizado na gestão pública, não implica transferência de verbas públicas ou de responsabilidades do Estado. Diferentemente do que peças de desinformação propagam, o acordo não configura concessão de terras indígenas, não dependendo de licitação ou concorrência para tal.
A assinatura do protocolo está em consonância com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), instituída pelo Decreto nº 7.747/2012, construída com ampla participação dos povos indígenas. A PNGATI busca reconhecer e apoiar as práticas de gestão ambiental e territorial já conduzidas pelos povos indígenas. Suas diretrizes incluem:
· Garantia do direito à consulta prévia: conforme previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004;
· Reconhecimento dos direitos relativos a serviços ambientais: em função das ações de proteção, conservação, recuperação e uso sustentável realizadas pelos povos indígenas em seus territórios, conforme a legislação vigente.
A parceria firmada com a empresa Ambipar insere-se no contexto de ampliação do diálogo entre o Governo Federal e diferentes setores da sociedade civil, sempre com o objetivo de fortalecer a proteção dos direitos dos povos indígenas. Essa iniciativa também está alinhada aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e à proposta de inclusão do ODS 18 (igualdade étnico-racial) no conjunto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O Protocolo de Intenções tem como foco compromissos e iniciativas para qualificar e fortalecer os territórios indígenas, incluindo:
Projetos de conservação e recuperação ambiental;
Promoção da economia circular;
Gestão, destinação e disposição de resíduos sólidos;
Suporte técnico para prevenção e respostas a eventos extremos, como incêndios e enchentes;
Reflorestamento de áreas desmatadas e desenvolvimento de projetos de bioeconomia e serviços ecossistêmicos.
O presente protocolo assim como outras iniciativas que poderão, conforme cada comunidade decidir, qualificar e fortalecer, reflete o compromisso do Governo Federal, especialmente do Ministério dos Povos Indígenas, em ampliar parcerias para a promoção dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Ele representa um avanço no fortalecimento da gestão territorial indígena, sempre com o devido respeito aos direitos constitucionais e internacionais desses povos”.
Também procurado, o Ministério dos Povos Indígenas enviou nota negando qualquer irregularidade na operação. Leia abaixo:
“A informação que circula sobre a transferência da gestão dos territórios indígenas ao setor privado pelo Ministério dos Povos Indígenas, além de falsa, não tem qualquer respaldo jurídico. Trata-se de fake news criada para provocar desinformação, o que em nada contribui para avançarmos na promoção dos direitos dos povos indígenas do Brasil.
Na última semana, o Ministério dos Povos Indígenas, por meio de seu secretário-executivo, Eloy Terena, assinou um Protocolo de Intenções com a empresa Ambipar, documento que estabelece um compromisso preliminar sem transferência de qualquer verba ou de responsabilidade do Poder Público, instrumento de parceria comumente utilizado na gestão pública.
A assinatura está inserida no contexto de ampliação dos diálogos que o MPI visa promover com diferentes setores da sociedade civil voltados para a proteção dos direitos dos povos indígenas para além do poder público, conforme previsto nos instrumentos internacionais, como a Declaração Internacional dos Direitos dos Povos Indígenas, e com o ODS 18 (igualdade étnico-racial) que o Brasil tem trabalhado para ser incluído no conjunto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sempre respeitados os parâmetros da Convenção OIT n. 169 e da Constituição Federal de 1988.
O protocolo em questão tem como foco a assunção de compromissos e iniciativas, e representa um caminho para qualificar e fortalecer a gestão territorial indígena, oferecendo serviços e tecnologias de mais qualidade que só serão utilizados se estiverem previstos nos Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PGTAs) e contarem com o consentimento dos povos de cada território, respeitando a consulta livre, prévia e informada.
Algumas ações previstas:
Pela primeira vez em mais de cinco séculos, os povos indígenas estão atuando dentro da estrutura do Estado brasileiro na construção e fortalecimento da política indigenista sem representação por terceiros não-indígenas. Estamos conscientes de que essa manifestação concreta da autodeterminação dos povos indígenas provoca parte dos interesses que são contra nossos direitos, mas estamos, junto ao Governo Federal, fortalecendo e ampliando as pautas na defesa dos povos.
Por fim, MPI condena o compartilhamento e disseminação de notícias falsas que em nada contribuem com o trabalho realizado para garantir os direitos dos povos indígenas. Reforça, ainda, que um de seus papeis é o fortalecimento do direito à autodeterminação dos povos, não compactuando com a lógica tutelar do Estado, que foi superada com a promulgação da Constituição de 1988“.
Fonte: Metrópoles